23 de maio de 2023
Por Fernando Facury Scaff
A esta altura dos fatos você já sabe que o governo federal apresentou uma proposta para criar um novo regime fiscal sustentável, conhecido como arcabouço fiscal, que tramita sob a forma de PLP 93/23, em substituição ao falido teto de gastos.
Há uma lacuna imperdoável no texto sob votação: trata-se do silêncio sobre o pagamento integral dos precatórios federais.
Como é sabido, foram aprovadas as ECs 113 e 114 que modificaram o sistema de pagamento dos precatórios federais, criando um subteto, pois o que ultrapassasse o valor que tivesse sido pago no ano anterior, seria pago no ano posterior, somado aos regulares precatórios anuais, acarretando o efeito bola de neve, pois a cada ano esse valor seria sucessivamente majorado. Ocorre que as referidas ECs estabeleceram que essa bola de neve dos precatórios vai acabar em 2026, ano das eleições gerais (para presidente, governadores, senadores, deputados etc.).
Eis o alerta: há uma oportunidade ímpar para dissolver esta bola de neve, pois o PLP 93/23 está na pauta de votações desta semana da Câmara dos Deputados. Perder esta chance de resolver esse problema acarretará muito suor e lágrimas mais à frente.
A forma de resolver é muito simples: basta incluir nas exceções o montante a ser pago de precatórios pela União.
Observe-se que o texto em pauta de votação (substitutivo apresentado pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA) não tratou dos precatórios sob esse aspecto, o que vem causando enorme confusão, inclusive na imprensa, que vem noticiando de forma imprecisa o assunto, como se o pagamento de todos os precatórios estivesse sendo excepcionado no arcabouço. Não é isso que está escrito.
O substitutivo apresentado excepciona duas situações (incisos VI e VII, parágrafo 2º, artigo 3º).
No inciso VI ficam excepcionadas “as despesas para cumprimento do disposto no §20 do artigo 100 da Constituição Federal, no §3º do artigo 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que regula um dos múltiplos parcelamentos de precatórios, o que é diferente do caso em debate.
E no inciso VII constam “as despesas para cumprimento do disposto nos §§11 e 21 do artigo 100 da Constituição Federal”, que regula o uso de precatórios para investimentos, que é igualmente importante, mas se trata apenas de uma pequena válvula de escape do sistema (recentemente colocada em xeque pelo governo no caso do pagamento pela concessão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo).
Deve-se aproveitar a oportunidade legislativa e inserir uma norma para retirar todo o sistema de pagamento de precatórios dos limites impostos pelo arcabouço fiscal, ora em votação.
Os argumentos jurídicos para isso são muitos: 1) trata-se de despesa não-discricionária do Poder Executivo, pois imposta diretamente pelo Judiciário; 2) não podem ser contingenciados; 3) são previsíveis, pois incluídos na proposta de lei orçamentária com muita antecedência; 4) são ordens judiciais; 5) a rigor, nem se caracterizam como despesa, mas como dívida, a despeito do artigo 30, parágrafo 7º, da LRF dispor de forma distinta; e 6) dentre muitos outros argumentos, vão explodir em 2026, data pré-estabelecida pelas ECs 113 e 114, véspera das eleições gerais.
A expressão “perda de uma chance” significa a responsabilidade de uma pessoa pela perda de uma oportunidade, que poderia ou não ter se concretizada, mas sequer foi tentada, pois se perdeu a chance de o fazer. Existe vasta literatura sobre a responsabilidade jurídica desta situação. No caso, há apenas responsabilidade política perante os eleitores, que estarão atentos em 2026 sobre o assunto, estejam ou não sendo caloteados ao longo do percurso.
É prudente aproveitar a chance e incluir desde já o assunto no PLP 93/23 e deixar o Congresso decidir.
Fonte: Consultor Jurídico