Sem consultar o Google, você consegue dizer qual é o partido político de Pablo Marçal, candidato à Prefeitura da cidade de São Paulo? E o partido político pelo qual foi eleito oresidente da República Jair Bolsonaro e Fernando Collor? Dificilmente você saberá sem auxílio das redes.
Pois aí vão as respostas: Collor foi eleito presidente em 1989 pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), após ter exercido múltiplos cargos eletivos por diversos partidos. Bolsonaro foi eleito presidente em 2018 pelo Partido Social Liberal (PSL), após ter sido eleito por diversos partidos para diferentes cargos. Pablo Marçal é candidato pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), já tendo sido candidato a presidente da República em 2022 pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS). Confesso um pecadilho aos caros leitores: consultei o Google para obter as respostas. Você já tinha ouvido falar em algum desses partidos? Quais partidos você mais ouve falar e há mais tempo?
Os partidos políticos são o elo de ligação mais importante das democracias representativas, sem os quais as pessoas não podem se lançar como candidatas a nenhum cargo político. No Brasil eles são opacos, isto é, não tem a transparência financeira e política que são requisitos básicos em uma república, e, por isso, existem fortes suspeitas de que sua proliferação atende muito mais a interesses de grupos que não se congregam sob uma mesma ideologia, outro requisito básico das democracias, pois expressam uma vertente da opinião pública em busca de representatividade política no país. Essa desconfiança quanto aos partidos foi alavancada com a quantidade de recursos a eles destinados, seja para sua manutenção (Fundo Partidário) seja para financiar as eleições (Fundo Eleitoral).
Quando os recursos financeiros destinados aos partidos políticos representavam um valor inexpressivo, bastava que suas prestações de contas fossem auditadas pela própria Justiça Eleitoral, conforme determina a Constituição no artigo 17, III. Ocorre que os valores envolvidos no financiamento dos partidos e das eleições se tornaram gigantescos. O Fundo Eleitoral – Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – recebeu R$ 4,9 bilhões para as eleições municipais de 2024,
dividido entre todos os partidos políticos, sendo que, se sobrar dinheiro, tem que ser devolvido — aposto que essa é uma hipótese raríssima de ocorrer. E do Fundo Partidário (Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos)
já foram distribuídos até agosto R$ 728 milhões. Isso tudo
sem adentrar na tormentosa questão das
emendas parlamentares, que desequilibram a disputa em favor de quem já possui cargos eletivos, em face de desafiantes sem mandato.
É inegável a necessidade de ser financiada a democracia, o que pode ocorrer de diversos modos, sempre permitindo a pluralidade de ideias e o controle público e social de todo o processo, mas duvido que a estrutura da Justiça Eleitoral seja suficiente para fazer o efetivo controle financeiro dessa dinheirama. Talvez por isso o STF em recente decisão (
ADI 4.899, relatada pelo ministro Dias Toffoli e julgada à unanimidade) declarou ser suficiente a prestação de contas, e não sua aprovação, para ser considerado cumprido o requisito constitucional estabelecido, o que claramente esvazia o poder de controle financeiro sobre as campanhas eleitorais.
O problema do curtoprazismo
Pelo lado político, o §1º do artigo 17, CF, assegura “aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”. Seria extremamente perigoso atrelar de forma rígida os partidos políticos ao Estado, sob pena de controle excessivo e perda do pluralismo, mas do jeito que está não dá para ficar.
Deixar completamente livre a organização partidária para oferecer aos eleitores o cardápio de candidatos a serem escolhidos é algo que desvirtua completamente o sistema em favor de grupos que se organizam de forma aleatória para a tomada do poder pelo voto. Os partidos passam a buscar apenas vencer as eleições, sem o foco de governabilidade – problema que os partidos analisarão posteriormente, caso haja vitória, e já com os olhos voltados às eleições seguintes. É o curtoprazismo político-eleitoral se sobrepujando à governabilidade, a qual deve implementar políticas públicas também de médio e longo prazos, muitas vezes impopulares – o que implica na possibilidade de perda da eleição sucessiva.
Há cerca de uma década um dos temas mais debatidos era o da reforma política, que foi abandonado. É necessário retomá-lo com urgência, pois a temperatura está alta demais, demonstrando uma febre que se alastra e pode colocar o paciente, no caso o país, em coma.
FONTE: https://www.conjur.com.br/2024-out-08/a-opacidade-financeira-e-politica-dos-partidos-e-nossa-democracia/