• Publicações na mídia

Pegadinhas do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais do PLP 68

  • Direito Tributário

2 de julho de 2024, 8h00

Quando foram iniciados os debates parlamentares sobre os aspectos constitucionais da reforma tributária, aprovada em dezembro de 2023 pela EC 132, um dos aspectos centrais era a questão da compensação dos benefícios fiscais de ICMS para as empresas que já os usufruíam, considerados como direitos adquiridos até seu esgotamento, sabendo-se que não haverá nenhuma espécie de incentivo no âmbito da CBS e do IBS (EC 132, artigo 156-A, §1º, X).

Assim surgiu o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF) no artigo 12 da EC 132 (cautela, pois se trata de norma não inserida no corpo da Constituição, constando apenas da referida EC), “com vistas a compensar, entre 1º de janeiro de 2029 e 31 de dezembro de 2032, pessoas físicas ou jurídicas beneficiárias de isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos” ao ICMS, concedidos por prazo certo e sob condição, tendo sido que lei complementar estabelecerá os procedimentos de análise, pela União, dos requisitos para habilitação dos requerentes à compensação (artigo 12, §6º, II).

Dava a impressão de que as empresas receberiam desse Fundo valor equivalente ao que haviam recebido dos estados mediante renúncia fiscal. Ledo engano, como se verá, em face de várias pegadinhas inseridas no Projeto de Lei Complementar (PLP 68) que está em debate na Câmara dos Deputados, sendo a matéria nele disposta no artigo 373 e seguintes. Alguns aspectos chamam a atenção.

A lei que regulará eventuais impugnações será a do processo administrativo federal (Lei 9.784/99) e não as leis que regulam o processo administrativo tributário federal. Ou seja, o Carf, órgão especializado e paritário vinculado ao Ministério da Fazenda, está excluído da apreciação desta matéria (artigo 373, parágrafo único), até mesmo em grau de recurso (artigo 381, §1º), ficando toda a análise e deferimento ao encargo de auditores fiscais da Receita Federal (artigo 374). Não parece adequada essa fórmula processual, devendo ser adotado algum sistema de recursos para o Carf, em caso de negativa do pleito.

Prazo

A despeito da compensação poder ser realizada entre 1º de janeiro de 2029 e 31 de dezembro de 2032, o prazo para requerer a habilitação dos créditos deverá ocorrer entre 1º de janeiro de 2026 e 31 de dezembro de 2028. Ou seja, o requerimento deverá ser realizado pelas empresas antes do prazo de fruição dos benefícios, e não durante o mesmo. Seria adequado alargar esse prazo final.

Mesmo regido pela Receita Federal, é “obrigatória a manifestação prévia da unidade federada concedente à concessão da habilitação” para fins de habilitação do crédito, mesmo sendo apresentada a norma estadual que concedeu o benefício (artigo 375, parágrafo único), o que é uma exigência burocrática sem qualquer amparo lógico.

O artigo 378 merece especial atenção, pois determina que: (§1º) o crédito será calculado mensalmente “em função do valor da repercussão econômica de cada benefício fiscal ou financeiro-fiscal” e proporcionalmente ao nível de redução dos benefícios fiscais; ou seja, haverá uma apuração mensal para cada concessão do direito de utilizar o benefício, a despeito do requerimento dever ser efetuado antes da vigência das devoluções; (§2º) A Receita Federal regulamentará a escrituração fiscal que deverá ser seguida pelos requerentes, o que indica que esse órgão federal regulará os impactos fiscais da renúncia de receita estadual do ICMS.

Perigo

Aqui o perigo é enorme, sendo suficiente observar a recente alteração normativa realizada pela União para tributar as renúncias fiscais dos estados (subvenções); (§3º) O direito de pleitear essa compensação extingue-se em um ano, contado do vencimento do prazo para transmissão da escrituração fiscal, conforme estabelecido pela Receita. Isso aponta para o surgimento de um prazo que merece muito cuidado por parte das empresas, sob pena de caducidade do direito de crédito, caso a norma passe pelo crivo parlamentar.

Outro artigo de arrepiar é o 379, pois cria duas hipóteses para que os benefícios fiscais não sejam pagos: (1) caso haja fraude, que será apurada à margem do Carf, órgão paritário, cabendo representação criminal ao Ministério Público Federal (artigo 383); e (2) a mais preocupante, que é a hipótese de “o montante incidir em parâmetros de risco”. Qual será esse risco e seus parâmetros? Pressupõe-se que seja risco fiscal, vinculado ao equilíbrio fiscal, a ser decidido segundo parâmetros da União, por intermédio da Receita Federal (artigo 379, caput, e §§ 3º, 9º e 10). Esta hipótese de risco não está prevista na Constituiçãosendo criado pelo PLP 68, o que merece atenção parlamentar.

Observe-se que tudo que foi exposto está relacionado com a recente Instrução Normativa 2.198/24, que determinou aos contribuintes que informem à Receita até 20 de julho os benefícios fiscais usufruídos entre janeiro e maio de 2024, por meio de uma nova obrigação acessória denominada de Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), criada por meio da MP 1.227/2024.

Ultrapassadas estas três barreiras (a burocrática, e as hipóteses de fraude e de risco) o crédito será analisado em até 90 dias, e pago em até 60 dias, o que soma cinco meses, sendo que só após esse prazo é que iniciará a incidência de juros a favor dos contribuintes, pela Selic. É necessário ver se as empresas conseguirão sobreviver a este deserto de créditos que poderá ser imposto pela Receita Federal (artigo 379, caput e §§1º, 2º e 6º). Apenas se a análise do requerimento não for iniciada em 90 dias é que o pedido será automaticamente aprovado (artigo 379, §8º), o que absolutamente improvável.

Em síntese e sem esgotar o assunto: se as normas do PLP 68 que regem a entrega de recursos desse Fundo não forem alteradas visando reduzir a discricionaridade da União, a situação das empresas incentivadas será amplamente conturbada em face das várias barreiras que permitirão a retenção dos recursos. O problema poderá ser ainda maior, a depender da regulamentação desta matéria, posteriormente ao PLP 68, o que ainda virá a ser proposto.

FONTE: https://www.conjur.com.br/2024-jul-02/pegadinhas-do-fundo-de-compensacao-de-beneficios-fiscais-do-plp-68/