O princípio da simetria federativa acarreta a obrigatoriedade de que os entes federados internos — estados e municípios — adotem certos modelos estabelecidos pela Constituição da República Federativa do Brasil. Um exemplo: grande parte do processo legislativo é vinculado ao princípio da simetria, impedindo que haja estipulação diversa nas Constituições estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais. É nítido que isso reduz a autonomia federativa, impondo a adoção do modelo centralizado, nacionalmente estabelecido.
A Constituição de 1967 foi outorgada sob o peso do relógio, conforme relata reportagem da Folha de S.Paulo da época, e a Constituição de 1969 nem mesmo era uma Constituição, mas uma Emenda Constitucional outorgada em 1969 que alterou substancialmente a Constituição de 1967, a ponto de ser considerada uma nova Constituição (para essa análise, ver Manoel Carlos de Almeida Neto, O Colapso das Constituições do Brasil). Essas duas Constituições eram extremamente autoritárias e fazia sentido tais normas para cercear o federalismo, decorrente de seu perfil antidemocrático. Afinal, o federalismo expressa a democracia, permitindo que as pessoas se organizem de acordo com suas vontades, observadas as peculiaridades locais. É a possibilidade de se ter diversidade na unidade — quanto mais descentralização houver (um dos sentidos de federalismo), maior será o nível democrático de um país.
José Levi aponta que o STF decidiu de forma inercial diversas questões sobre o princípio da simetria, já sob a égide da Constituição de 1988, adotando entendimento que fazia sentido sob o autoritarismo das Constituições de 1967 e de 1969. Relata ainda que a partir da década de 2010 o STF passou a ficar mais sensível às autonomias locais. Penso que isso se tornou ainda mais destacado durante a pandemia.
Em paralelo, registro que já havia observado situação semelhante, igualmente ocorrida com o STF, quando escrevi um texto publicado em 2004, cujo título já indica um paradoxo: Quando as Medidas Provisórias se transformaram em Decretos-Lei. Afinal, se as medidas provisórias foram criadas na Constituição de 1988, como poderiam ter se transformado em decretos-lei, que deixaram de existir como produção normativa ao fim da Constituição de 1969?
Resposta: no julgamento do RE 146.733-9-SP, realizado em junho de 1992, relatado pelo ministro Moreira Alves. Discutia-se, dentre outras questões, se o princípio da legalidade tributária estaria sendo respeitado por meio da edição de medidas provisórias. Consta do voto condutor: “Não há razão para que, em face da medida provisória, que nada mais é do que modalidade de Decreto-lei, sem as restrições quanto ao seu objeto, constantes da Emenda Constitucional nº 1/69, que se passe a entender que a mesma vedação (‘exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça’), agora constante do art. 150, I (também integrante da disciplina do sistema tributário nacional), mudou de sentido, para passar a exigir, nesses casos, lei em sentido formal e não, apenas, em sentido material”. O erro é palmar, pois são institutos completamente diferentes, construídos sob regimes políticos opostos.
A partir dessa decisão passaram a ser aceitas as medidas provisórias como instrumentos para a majoração de tributos, a contrário senso do regime democrático adotado em 1988. Posteriormente a Emenda Constitucional 32, de 2001, alterou o texto para torná-lo mais preciso em diversos pontos, afastando eventuais dúvidas.
As duas situações – Princípio da Simetria Federativa e o uso das Medidas Provisórias como se fossem Decretos-lei — foram interpretadas pelo STF com os olhos voltados ao texto da Constituição anterior, de 1967/69, embora já estivesse sendo aplicada a Constituição de 1988.