Consultor Jurídico, 17 de junho de 2019
Por Fernando Facury Scaff
Dentre os incontáveis projetos de reforma tributária em curso no Congresso Nacional, o elaborado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), tendo à frente o economista Bernard Appy, foi encampado pela Câmara dos Deputados e apresentado em 3 de abril pelo deputado Baleia Rossi (PMDB-SP), tendo recebido o número PEC 45/2019, e ora se encontra a caminho da Comissão Especial. Trata-se de um projeto ousado, que busca reformar todo o sistema de tributação sobre o consumo, criando uma espécie de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), nos moldes europeus, que no projeto foi batizado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), unificando cinco tributos: PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS. Existem diversos aspectos para debate sobre sua constitucionalidade que passaram pelo primeiro crivo, o da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que aprovou o parecer do relator, deputado João Roma (PRB-BA). Um dos pontos centrais do debate diz respeito à cláusula pétrea do federalismo, que comentei em outra coluna.
Outro projeto está sendo elaborado no âmbito do Poder Executivo, tendo à frente o economista Marcos Cintra, atual secretário da Receita Federal, que o apresentará “em vinte dias” e que visa unificar alguns tributos federais, IPI, PIS e Cofins, reduzir o imposto sobre a renda e modificar a sistemática das incidências sobre a folha de pagamento.
Os dois projetos têm em comum o fato de serem PEC, isto é, proposta de emenda constitucional, que terá que ser discutida e votada na Câmara e no Senado Federal, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (artigo 60, parágrafo 2º, CF).
Em meio à recessão que estamos vivendo, isso demandará um tempo precioso, ainda mais porque o projeto Appy/Rossi prevê um prazo longuíssimo para sua completa implantação, e o projeto Cintra aguarda a aprovação da reforma da Previdência, que não terá o condão de reanimar nossa atividade econômica de imediato e deverá prever um prazo dilargado para sua efetiva implementação — isto é, caso sejam aprovados. Tais propostas, dentre outras semelhantes, produzem um clima de insegurança jurídica que é prejudicial à economia.
A proposta que ora apresento visa ativar a economia de imediato, sem maiores delongas ou prazos a perder de vista, e seguramente terá a aprovação mais ágil nas Casas Legislativas.
No que consiste esta proposta?
Trata-se de imediatamente alterar diversas normas infraconstitucionais, mantendo a segurança jurídica que tanto se almeja, pois todas as alterações que abaixo apresento são de mais fácil aprovação no Congresso, uma vez que para alteração de leis ordinárias é necessário apenas maioria simples, e no caso de alteração de leis complementares é necessária maioria absoluta do parlamento (artigo 69, CF), o que também vale para estados e municípios.
Parto daquele velho ditado sempre repetido por Geraldo Ataliba: imposto bom é imposto velho. Logo, enquanto tramitam de forma lenta as propostas de emenda constitucional, deve-se, de imediato, alterar alguns pontos da legislação, que passo a expor de forma exemplificativa.
Para simplificar nosso sistema tributário, evitando as quase 2 mil horas de trabalho gastas preenchimento de obrigações acessórias, o que consome cerca de R$ 60 bilhões por ano, basta sistematizar a coleta de informações fiscais, muitas vezes repetidas e redundantes, e reduzir a complexidade de PIS, Cofins e ICMS, nos quais se tem quase uma sistemática de apuração para cada segmento econômico.
Para reduzir a carga tributária, pode-se pensar em rebaixar fortemente as alíquotas dos tributos atuais e das multas aplicadas. Apenas no âmbito federal existem: a) multa de ofício = 75%; b) multa isolada = 50%; c) multa qualificada = 150%; e d) multa agravada = majoração em 50% dos valores anteriores, em situações específicas. E, se formos olhar com lupa a legislação de estados e municípios, encontraremos disparidades semelhantes. A proposta é reduzir as multas para o mesmo patamar que são dispostas nos Programas de Parcelamentos Especiais da União, estados e municípios — os diversos Refis, que devem cessar, caso essa proposta seja adotada. E reduzir as alíquotas dos tributos atuais; afinal, é inadequado cobrar tanto de PIS e Cofins, que incidem sobre o faturamento das empresas, sufocando-as, pois são devidos independente de terem ou não lucro ao final do período de apuração.
É necessário também eliminar algumas aberrações tributárias que são criadas por todos os entes federados, como se vê nessas exóticas imposições, citadas apenas de forma exemplificativa:
Para evitar tais aberrações, deve-se alterar o CTN para criar critérios rigorosos para a cobrança de taxas de fiscalização, passando a ser necessário que haja correspondência garantida por estudos prévios e pela suspensão da cobrança em caso de reiterado superávit. Além disso, responsabilizar governantes (Poder Legislativo e Executivo) que criarem exigências consideradas inconstitucionais, aplicando-lhes a pena de inelegibilidade por prazo determinado.
Outro exemplo é acabar com a sistemática de substituição tributária, o que não geraria maior problema em face da tecnologia digital que já existe e está implantada (como o Sped Fiscal). Voltaríamos a ter a velha e boa sistemática normal de apuração dos tributos.
Nessa linha, deve-se também rever o processo de cobrança da dívida ativa, criado em 1980 e, a despeito de algumas alterações pontuais, permanece bastante emperrado. Nesse sentido, é necessário ampliar as possibilidades de negociação e reduzir seu custo. Deve-se sempre manter o Poder Judiciário à frente do processo para evitar os abusos quotidianos que ocorrem.
Penso que tais medidas infraconstitucionais, citadas de forma assistemática, podem dar um rumo a ser seguido sem que seja necessário, tal qual na música do Chico, esperar o trem que já vem…, que já vem…, que já vem…
Confesso, contudo, que existe uma alteração constitucional que gostaria de ver aprovada e que, infelizmente, não está em debate em nenhum dos projetos em discussão, que é a da redução do poder de tributar do Poder Executivo. Pela Constituição atual (artigo 62), em caso de relevância e urgência, o presidente da República poderá editar medidas provisórias. Consta ainda que:
Pois bem, a proposta constitucional que gostaria de ver aprovada seria para modificar o texto acima para a seguinte redação, cuja alteração consta em itálico:
Com isso, penso que o nosso Poder Legislativo retomaria em suas mãos o efetivo poder de tributar, que em nenhuma democracia do mundo se encontra no Poder Executivo, tal como ocorre no Brasil. Essa é a PEC que me parece imprescindível sobre matéria tributária. Nada a ver com a ideia de parlamentarismo branco tão em voga hoje em dia, e nem está contemplada na PEC 43/2019, dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Antonio Anastasia (PSDB-MG), dentre outros. É esdrúxulo manter tal poder nas mãos do presidente da República — sejam os anteriores, o atual ou os futuros. O poder de tributar equivale ao poder de destruir, conforme disse John Marshall (1755-1835), também juiz da Suprema Corte dos EUA, no caso McCulloch v. Maryland, e é necessário que esteja nas mãos do Legislativo. Tenho certeza de que essa PEC seria aprovada pelo atual Congresso com muita facilidade e agilidade.
Estou seguro de que essa proposta de pacote tributário desonerativo e simplificador desafogaria as forças econômicas de mercado, que hoje têm tanta insegurança jurídica, em face da profundidade de alterações que estão sendo apresentadas em um tema de todo nevrálgico para a economia e a população em geral.
A bem da verdade, o correto seria discutirmos uma reforma financeira, envolvendo receitas e despesas públicas, e não meramente uma reforma tributária, que trata apenas das receitas públicas — mas isso é prosa para outra coluna.
Fica a proposta para debate.
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