Decisão do TCU sobre presentes recebidos pelos presidentes da República
27 de agosto de 2024, 8h00
Os presentes recebidos pelos presidentes da República pertencem a ele ou devem ser incorporados ao patrimônio público? O Tribunal de Contas da União apreciou recentemente esta questão, com grande repercussão midiática, decidindo que, por falta de norma específica a respeito, tais presentes deveriam ser do presidente que os recebeu, e não do Estado.
Ante à estranheza da decisão, que traz repercussões importantíssimas com referência a vários processos em curso, é importante analisar com lupa o acórdão proferido, para tentar compreender o que levou a Corte a decidir de forma tão inusitada e contra sua própria jurisprudência.
Dezoito anos após, em 2023, o caso foi submetido ao TCU pelo deputado federal Ubiratan Antunes Sanderson, que é identificado em seu perfil na Câmara dos Deputados como um policial federal e político brasileiro filiado ao Partido Liberal, que atualmente exerce seu primeiro mandato pelo Rio Grande do Sul.
O relator da matéria foi o ministro Antonio Anastasia, que votou a favor da incorporação do referido bem ao patrimônio público, seguindo pacífica jurisprudência daquela Corte de Contas nesse sentido (Acórdãos 2255/2016-TCUPlenário, de relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues, e 326/2023-TCU-Plenário, de relatoria do ministro Antonio Anastasia).
O Ministério Público junto ao TCU, por intermédio de sua procuradora-chefe, Cristina Machado da Costa e Silva, opinou no mesmo sentido dos votos já mencionados.
O julgamento foi presidido pelo ministro Bruno Dantas, que só vota em casos de empate. A sessão de julgamento foi composta pelos ministros Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz, Vital do Rêgo, Jorge Oliveira, Antonio Anastasia e Jhonatan de Jesus, e pelos ministros-substitutos Weder de Oliveira e Marcos Bemquerer Costa.
Apurado o resultado do julgamento, foram vencidos os ministros relator e revisor, Antonio Anastasia e Walton Alencar Rodrigues, bem como o ministro-substituto Marcos Bemquerer Costa, e desconsiderado o parecer ministerial.
Lendo o voto vencedor constata-se a tese da lacuna normativa, ante “a ausência de norma legal específica, aplicável aos presidentes da República”, o que “afasta a possibilidade de expedição de determinação ampla e generalizada, por esta Corte, para incorporação ao patrimônio público de presentes eventualmente recebidos pelos presidentes da República, especialmente diante de ausência de caracterização precisa do conceito de ‘bem de natureza personalíssima’, assim como de um valor objetivo que possa enquadrar o produto como de ‘elevado valor de mercado’”.
E segue: “sob tais fundamentos, não é possível impor obrigação de incorporação ao patrimônio público em relação ao bem objeto desta representação, como também não o é em face daqueles que são escrutinados em outros processos que tramitam nesta Corte” (grifo inserido).
Aqui se chega a um ponto deveras interessante para a análise jurídica, pois as normas mencionadas no voto do ministro Jorge Oliveira realmente não mencionam o presidente da República, porém estará este cargo acima da Constituição, que prevê diversos princípios a serem observados? O ministro Anastasia em seu voto complementar mencionou diversos precedentes em que o TCU “decidiu a matéria com base na interpretação combinada das normas positivadas com os princípios regentes da Administração Pública, especialmente a razoabilidade e a moralidade”, invocando inclusive a Lindb.
A decisão do TCU, por maioria, foi no sentido de permitir que o relógio Cartier recebido em 2005 pelo presidente Lula fosse incorporado ao seu patrimônio, mas, seguramente, essa decisão foi tomada com os olhos voltados a outro caso, envolvendo o presidente Bolsonaro, como mencionado no voto vencedor do ministro Jorge Oliveira.
Será que esse caso chegará ao STF? E, caso chegue, como se pronunciará a corte? Olhará as normas infraconstitucionais ou fará valer a Constituição? Torço que faça valer a Constituição, condenando esta prática abusiva, qualquer que seja o presidente da República, e incorporando tais bens ao patrimônio público, o que é um imperativo do princípio republicano, que deve presidir estas decisões.