Está em vigor o parlamentarismo financeiro no Brasil
5 de novembro de 2024, 8h00
Dias atrás, em uma prosa descompromissada, ouvi de um colega da Universidade Federal do Paraná a expressão “parlamentarismo financeiro” para se referir ao momento em que vivemos. Achei a expressão muito interessante e fui investigar.
Constatei que, pouco a pouco, dois mecanismos financeiros transferiram grande parte do controle das finanças públicas do Poder Executivo para o Poder Legislativo, modificando o jogo de forças político. Trato das emendas parlamentares e o financiamento público de campanhas eleitorais.
O pai da criação dessas emendas foi o ex-deputado Eduardo Cunha, que então presidia a Câmara dos Deputados, e, por conseguinte, o Congresso, que comandou a aprovação da EC 86, em março de 2015, acrescendo o §9º ao artigo 166, tornando as emendas individuais de obrigatória execução orçamentária, o que ensejou uma irônica coluna neste espaço na qual fiz paralelo com a frase de Sobral Pinto acerca da “democracia à brasileira”. Neste passo, foi capturado o montante de 1,2% da receita corrente líquida da União, tornando obrigatória a realização dessas despesas e reduzindo o espaço discricionário do orçamento.
Em junho de 2019, o então presidente da Câmara, ex-deputado Rodrigo Maia, patrocinou a aprovação da EC 100, que tornou obrigatória a execução orçamentária das emendas de bancada, ao introduzir o §12 ao artigo 166, com nova captura de mais 1% da receita corrente líquida federal.
2022
Em dezembro de 2022, o atual presidente da Câmara, Arthur Lira, promulgou a EC 126, ampliando o percentual destinado às emendas parlamentares individuais para 2% da receita corrente líquida da União, dispondo sobre o rateio desses valores entre Câmara e Senado, e regulando o procedimento de restos a pagar relativos a tais emendas.
Parte dessas emendas compuseram o orçamento secreto, por meio do qual não se sabia ao certo quem mandava gastar os recursos públicos orçamentados.
Deste ponto em diante ocorreram diversas reuniões de cúpula dos dirigentes de nossa República e, ao que tudo indica, sem grandes efeitos práticos, tanto que o espantoso número de 98% dos prefeitos mais turbinados com emendas se reelegeram, segundo a Folha de S.Paulo.
Como hoje se afiguram, estas emendas se transformaram em uma espécie de programa de transferência de renda aos parlamentares, semelhante ao Bolsa Família, mas com outros valores e objetivos.
Isso cria, dentre outros fatores, uma confusão conceitual para a compreensão do sistema. É óbvio que a chave dos cofres públicos tem que estar no Poder Legislativo, que tem o dever de destinar e controlar a despesa pública, mas isso deve ocorrer no interesse geral da sociedade, e não no interesse particular de cada parlamentar. Tal como está desenhado, tornou-se uma espécie de bolsa-parlamentar para custear seus interesses eleitorais particulares, que podem ou não estar em conformidade com interesse geral da sociedade.
Eleições gerais em 2018: R$ 1,7 bilhão
Eleições municipais em 2020: R$ 2,0 bilhões (aumento de 18,57%)
Eleições gerais em 2022: R$ 4,9 bilhões (aumento de 40,79%)
Antes, com o financiamento privado das campanhas políticas, os candidatos passavam o pires para que as empresas bancassem seus gastos eleitorais e a elas ficavam atrelados; agora, os candidatos ficam submetidos aos chefes dos partidos políticos, que distribuem os recursos ao seu bel-prazer, sem prestar contas à sociedade, pois o uso desses valores é de sua exclusiva competência, sendo que os partidos possuem baixa transparência e governança, conforme analisado anteriormente.
É necessário reescrever os manuais de Teoria do Estado, de Direito Constitucional e de Direito Financeiro para acrescer esta figura jurídica que foi construída no Brasil, a do Parlamentarismo Financeiro.